Embora a produção nacional Pacificado tenha como cenário a comunidade carioca Morro dos Prazeres e seu protagonista seja um ex-chefe do tráfico, este não é um filme policial, mas um drama. Essa distinção é essencial para alinhar as expectativas do público.
Os autores do roteiro, Wellington Magalhães, Joseph Carter e Paxton Winters (também diretor) de Pacificado moraram por anos no local, e notamos a preocupação deles em retratar a comunidade com autenticidade. A trama acompanha três protagonistas. Um deles é Andréa (Débora Nascimento), uma viciada em drogas que mora no morro com sua filha de onze anos Tati (Cássia Nascimento), que a mãe alega ser filha de Jaca (Bukassa Kabengele), o ex-chefe do tráfico local.
A história se passa em 2016, na época dos Jogos Olímpicos do Rio, quando o governo retomara o controle das favelas até então dominadas por traficantes de drogas. Esse programa se chamou “Pacificação”, mas o pacificado do título do filme é mesmo Jaca, que volta à liberdade após 14 anos de prisão, disposto a ficar longe do crime. Mas, essa missão não será fácil, pois seu irmão trabalha para o atual chefe do tráfico, Nelson (José Loreto). Apesar de Nelson ter sido uma indicação de Jaca, sua gestão é violenta e impiedosa até com os próprios moradores da comunidade. Ou seja, totalmente diferente de como agia Jaca, que ajudava as pessoas. Por isso, há pressão da comunidade para que Jaca reassuma a liderança.
Sem espaço para sentimentalismo
Na busca de autenticidade, o filme traz a maior parte das cenas filmada com a câmera na mão. Os planos trêmulos são um recurso para caracterizar momentos de tensão, desconforto, ação ou confusão. Mas, no cinema contemporâneo seu uso banalizou, como bem apontou o crítico Sérgio Alpendre em seu texto sobre A Filha Perdida (The Lost Daughter, 2021) para o Leitura Fílmica.
A narrativa alterna entre acompanhar Andréa, Tati e Jaca, bem como alguns eventos vividos por personagens secundários. O filme mostra que Andréa está perdendo sua luta contra o vício. Enquanto isso, Tati começa a praticar pequenos furtos, o que pode ser muito perigoso (como descobrimos quando Nelson pune sua melhor amiga). Mas Tati tem a benção de Jaca, que a vê como um argumento para seguir seu caminho longe do tráfico. Grande parte da trama se fixa em mostrar o drama de viver na comunidade, sob constante tensão por causa da brutalidade do chefe do morro. Por isso, o tom é descritivo, muito mais que dramático.
Dessa forma, Pacificado desperdiça oportunidades de entrar no melodrama. Andréa, por exemplo, de repente aparece na prisão, e o filme não mostra o momento em que acontece sua detenção. Da mesma forma, logo após, o enredo se afasta de Tati, que fica sem a mãe, e até dorme uma noite na rua. Então, ela some e quando aparece não fala nada, justamente quando ela está mais vulnerável e com alto poder de dramaticidade. O clímax da trama acontece mesmo na perspectiva de Jaca, que testemunha o trágico destino de seu irmão. Por fim, tudo se resolve rapidamente (demais), e o ex-chefe acaba por tomar a melhor decisão guiado pela razão. O que, ironicamente, é emblemático para o filme, que opta por deixar o sentimentalismo de fora.
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Ficha técnica:
Pacificado | 2019 | Brasil | 120 min | Direção e roteiro: Paxton Winters | Roteiro: Paxton Winters, Wellington Magalhães, Joseph Carter | Elenco: Cássia Nascimento, Bukassa Kabengele, Débora Nascimento, José Loreto, Léa Garcia, Raphael Logan, Jefferson Brasil, Rayane Santos, José Loreto.
Distribuição: Disney.