Presença demorou para chegar aos cinemas brasileiros. Deve entrar em cartaz no dia 3 de abril de 2025, portanto, depois da estreia de Código Preto (Black Bag, 2025), o último lançamento de Steven Soderbergh, diretor dos dois filmes. Essa proximidade de datas evidencia ainda mais a versatilidade desse cineasta, cuja habilidade em transitar entre diversos gêneros se equipara aos melhores diretores artesãos da era do estúdio de Hollywood.
Se não fosse por isso, Presença passaria por um filme autoral, já que a sua concepção infere um rigor formal incontornável. Explicando de forma simplificada, é uma história sobrenatural filmada inteiramente do ponto de vista do fantasma. Logo de imediato, essa câmera subjetiva espiritual abre o filme apresentando a casa onde a trama acontece. Uma corretora de imóveis mostra a propriedade para uma família. Rebekah (Lucy Liu) decide pela compra, sem dar bola para a opinião do marido Chris (Chris Sullivan) e dos filhos adolescentes Tyler (Eddy Maday) e Chloe (Callina Liang).
O trabalho da câmera
Assim, colocando esse conceito de POV em prática, a câmera desliza pela casa, acompanhando o cotidiano dessa família. O ambiente está intranquilo, principalmente porque Chloe perdeu recentemente sua melhor amiga Nadia por overdose, segundo a polícia. Para piorar a situação, Tyler mostra muita insensibilidade em relação à irmã, e Chris está insatisfeito com a posição submissa que ele se colocou em relação à esposa.
A câmera, muitas vezes, segue um ou outro personagem, mas de uma forma diferente do padrão do cinema clássico. A distância entre a lente e o objeto filmado varia propositalmente, para dar a noção de retratar a visão de um ser independente que decide se quer ou não se aproximar do que se encontra à sua frente. Esse olhar também se diferencia de uma visão subjetiva tradicional porque Soderbergh utilizou lentes grande angulares (de 14mm com uma câmera mirrorless Sony A71), o que deixa a tela alongada, mas sem distorcer tanto quanto uma fisheye.
Mais drama que suspense
A trilha musical, composta por Zack Ryan, evoca mais a melancolia do que o suspense, embora esses dois sentimentos aflorem mesmo quando o espírito percorre os cômodos vazios. O enredo não deixa dúvidas sobre a presença sobrenatural. Se alguém ainda estava em dúvida, a confirmação acontece na cena em que o fantasma organiza os objetos que Chloe largou em cima da sua cama. A própria personagem percebe e deduz que se trata do fantasma de sua falecida amiga Nadia. Soderbergh vai além, e manipula o espectador a chegar à conclusão de que a presença se encontra ali para ajudar Chloe, ao evitar que Ryan (West Mulholland) a faça beber um sonífero. Com isso, planta outra dúvida no público: para quê esse rapaz faria isso se acabou de transar com ela? Sem frustar o espectador, tudo se explica no final.
Presença assume um tom sério em relação ao sobrenatural. Por isso, não há sustos nem outros recursos apelativos para horrorizar o espectador. O filme assume a condição de que a simples existência de um espírito é motivo suficientemente assustador para a maioria das pessoas. Sendo assim, parece que o enredo pratica uma autossabotagem, pois tudo leva a crer que culminará na confirmação do fantasma de Nadia. E que o clímax se resumirá numa ameaça real.
No entanto, o filme apresenta uma virada na trama nos seus últimos momentos. E um plot twist que surpreende, pois se sustenta apenas por uma nova concepção dentro do sobrenatural. Como a personagem da médium afirma, para um espírito não existe a noção de linearidade temporal.
Explicando o final
Diante disso, Soderbergh coloca na última fala de Rebekah a explicação para o mistério sobre quem é essa presença que testemunhou e participou dessa história toda. O espelho revela também sua identidade, para não deixar margens para dúvidas. Considerando a exceção da temporalidade para os espíritos, a trama se fecha sem furos, justificando até porque a presença está na casa antes mesmo da família comprá-la.
Presença é formalmente bem realizado, sempre na visão do espírito, como pede a narrativa. O enredo também surpreende satisfatoriamente, desde que o público se abra para essa nova concepção de que para um fantasma passado e presente se confundem.
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Ficha técnica:
Presença | Presence | 2024 | 84 min. | EUA | Direção: Steven Soderbergh | Roteiro: David Koepp | Elenco: Lucy Liu, Chris Sullivan, Eddy Maday, Callina Liang, Julia Fox, West Mulholland.
Distribuição: Diamond Films.
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