Aprecie o cinema autoral de Denis Villeneuve em Redemoinho (Maelstrom, 2000). Seu segundo longa-metragem, muito antes das grandes produções Blade Runner 2049 (2017) e Duna (Dune, 2021), parece fortemente influenciado pelo cineasta conterrâneo David Cronenberg. Ao menos pelas sequências sob a perspectiva do peixe falante e pela mistura entre fantasia e realidade.
Redemoinho trata de perspectivas, de como uma pessoa pode encarar as situações de sua vida. As sequências do peixe evidenciam o tema, pois ele se encontra à beira da morte, prestes a ser decapitado pelo peixeiro. Por isso, a cena salienta o grotesco, e o próprio peixe e seu algoz se assemelham a monstros. No entanto, uma perspectiva objetiva da mesma circunstância revela o cotidiano nada dramático do produto que se consome como alimento.
Culpa
Anda na parte inicial, o aborto da protagonista Bibiane Champagne (Marie-Josée Croze) ganha contornos impactantes. Apesar de não mostrar nada gráfico, os instrumentos cirúrgicos são agressivos, o tubo de sucção carrega o feto dilacerado que termina num incinerador. Denis Villeneuve opta por essa caracterização para caracterizar o quando a intervenção abala psicologicamente Bibiane. Aliás, não há conforto para a personagem principal nem para o espectador.
A dramaticidade do filme cresce ainda mais com outro evento que acrescenta mais um peso na consciência de Bibiane. Se ela já se culpava por tirar uma vida com seu aborto, passa a sofrer ainda mais com a mesma questão quando atropela um homem na rua e não o socorre. Nesse sentido, Redemoinho antecipa a onda de tramas com vidas que se cruzam que ganharia força com o vencedor do Oscar de Melhor Filme Crash: No Limite (Crash, 2004), de Paul Higgis. Assim, a vítima do atropelamento é o pescador Annstein Karlsen, o que imediatamente se conecta com o peixe que narra a história. Depois, a encruzilhada ainda coloca Evian (Jean-Nicolas Verreault) na vida de Bibiane, como a chave de sua redenção. Esta depende, coerentemente, com a forma como esse novo casal encara a tragédia que os uniu.
Quem assiste a Redemoinho sempre se lembra da figura grotesca do peixe narrador, uma ideia original do roteirista e diretor Denis Villeneuve. Mas, além disso, o filme surpreende pela construção inteligente de uma história sobre o tema universal da culpa e como a perspectiva pode ser uma solução.
