A minha exploração da filmografia do diretor Jonathan Glazer, para me preparar para ver o seu Zona de Interesse (The Zone of Interest, 2023), começou com o thriller de ficção-científica Sob a Pele (Under the Skin, 2013), no qual Scarlett Johansson interpreta uma alienígena predadora. Seguindo por essa cronologia inversa, chego agora ao seu segundo longa, Reencarnação (Birth). Não encontrei aqui o mesmo estilismo imagético tão predominante no filme posterior a esse, com exceção do prólogo, que mostra um homem morrendo durante sua corrida no Central Park. Com habilidade, Jonathan Glazer alinha seu sufocamento por uma parada cardíaca com o escurecimento do túnel onde acontece a sua morte. Mas Reencarnação revela, e reforça, outras características desse cineasta.
Estranheza
O tema, novamente, causa uma sensação de estranheza. Desta vez, toca na questão da reencarnação, sem, contudo, cair na crença religiosa. Sean (Cameron Bright), um menino de dez anos, entra no apartamento de Anna (Nicole Kidman) e alega ser o seu marido que morreu há uma década. Seria a reencarnação daquele homem que vimos morrer no prólogo, cuja sequência imediata era um plano breve do nascimento de um bebê. Noiva de outro homem, Joseph (Danny Huston), Anna rechaça essa ideia. Porém, a insistência do garoto, que parece de fato acreditar no que diz, começa a abalar a incredulidade dela.
Jonathan Glazer extrai um momento brilhante de atuação da Nicole Kidman. Num close com a câmera fixa no rosto de Anna na plateia de um teatro, o diretor capta a gradual transformação de sua expressão. Seu rosto fica vermelho, seus olhos se enchem de lágrimas. Esse instante crucial revela que a personagem se abre para a possibilidade de o menino ser realmente a reencarnação de seu marido.
No lugar do clima etéreo dos filmes religiosos sobre esse tema, aqui predomina o tom sombrio. É o suspense que conduz o mistério da trama. A trilha musical, a fotografia com cores tristes, o ambiente claustrofóbico dos antigos apartamentos de Manhattan, a ausência de humor, enfim, tudo contribui para aproximar o espectador da agonia que sente a protagonista.
Trama truncada
O enredo, em certo momento, parece levar para uma solução fácil, similar às histórias de fantasmas que alertam sobre algum perigo real. No entanto, a mensagem de Sean para Anna não se casar com Joseph não é um aviso. Embora o noivo exploda de raiva quando o garoto o provoca durante uma audição para o casamento, Sean não tem nenhum dom premonitório. Na verdade, a mensagem reflete a vontade do marido reencarnado de voltar a viver com Anna.
Mas enfraquece o filme a questão que coloca um obstáculo na obsessão de Sean. Este não se lembrava da infidelidade do marido de Anna. Então, ao descobrir esse fato, se coloca em dúvida quanto ao seu amor pela esposa. Em outras palavras, seria ele digno de retomar a vida de casado nessa reencarnação? O desfecho, além disso, não afirma que esse é o ponto que impede a reunião, e deixa aberto para uma nova reencarnação. A conclusão fica confusa, pois caso se encontrem novamente em outras vidas, ainda persistirá o problema da infidelidade.
Apesar desse final que desagrada, Reencarnação prende o espectador durante toda a sua projeção. É um filme coeso, que nunca se desvia de seu tom misterioso. Por um lado, nega que Jonathan Glazer seja um diretor primordialmente imagético; por outro, induz a o assumirmos como um cineasta de temas e climas estranhos.
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Ficha técnica:
Reencarnação | Birth | 2004 | 100 min | Reino Unido, Alemanha, EUA | Direção: Jonathan Glazer | Roteiro: Jean-Claude Carrière, Milo Addica, Jonathan Glazer | Elenco: Nicole Kidman, Cameron Bright, Danny Huston, Lauren Bacall, Anne Heche, Alison Elliott, Arliss Howard, Peter Stormare, Ted Levine, Cara Seymour.
Distribuição: Columbia Pictures.