O diretor Yorgos Lanthimos chocou o mundo com seus dois primeiros longas internacionais, O Lagosta (2015) e O Sacrifício do Cervo Sagrado (2017). O sucesso desses filmes o permitiu trabalhar com orçamentos cada vez maiores, em A Favorita (2018) e Pobres Criaturas (2023), nos quais mantém a sua descrença na humanidade, porém num tom levemente mais ameno. Seu lançamento seguinte, Tipos de Gentileza, contou com um orçamento 40% menor do que seu oscarizado último filme, e similar em valores ao antecessor, porém mais contido em sua concepção.
Para começar, não se trata de um filme de época. O longa traz três histórias, que duram uma hora cada, aproximadamente, que compartilham o mesmo elenco principal. Entre eles, Emma Stone, Willem Dafoe e Margaret Qualley, que atuaram em Pobres Criaturas – Stone esteve também em A Favorita. Outros atores, como Jesse Plemons, Hong Chau e Mamoudou Athie reforçam esse grupo de atores compartilhados.
Mas, se a concepção formal é mais simples, Tipos de Gentileza traz um Lanthimos sem rédeas. A experiência equivale a assistir a três filmes seus em seu estado mais radical. Na primeira história, Jesse Plemmons interpreta um homem que vive segundo as ordens detalhadas de Willem Dafoe. Quando resolve não seguir uma das instruções, fica totalmente perdido. Na segunda história, Plemmons é um policial cuja esposa, vivida por Emma Stone, desaparece no mar. E, quando retorna, parece ser outra pessoa. Por fim, no último relato, Stone está dividida entre se entregar a uma espécie de culto (ou vida alternativa) e retornar para seu marido e sua filha.
Overdose de Lanthimos
Empoderado com o sucesso de bilheteria e de premiações de Pobres Criaturas, Lanthimos parece se sentir livre para ser o mais desagradável possível. Em Tipos de Gentileza (título que traz o oposto do que vemos na tela), ela ultrapassa sua habitual mensagem de misantropia, presente nas atitudes dos personagens dessas três histórias do filme.
Ou seja, a fim de mostrar sua visão pessimista, Lanthimos procura causar mal-estar no público. Movimenta a câmera quase o tempo todo, acompanhando os personagens, ou indo em direção a eles, ou mesmo perdendo-os no plano. O uso de lentes que distorcem as laterais dos enquadramentos volta a ser usado, como em Pobres Criaturas, especialmente no terceiro conto. Violência (inclusive contra animais), canibalismo, necrotério, vômito, sexo sem sensualidade (até estupro), enfim, o mau gosto impera. A trilha sonora, ademais, serve como recurso final para provocar náuseas naquele espectador que conseguiu ficar indiferente.
Nem os atores escapam. Lanthimos se esforça em mostrar (ou criar) manchas e espinhas nos rostos de Emma Stone e Margaret Qualley. A monstruosidade interna se reflete na aparência. A dança de Stone no final é um ato bizarro, não há nada de charmoso nela, nem de engraçado no sarcasmo (salva-se a surpresa do vídeo de swing, único bom momento do filme). O diretor se excede, e não dá para suportar uma overdose de Lanthimos.
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Ficha técnica:
Tipos de Gentileza | Kinds of Kindness | 2024 | 164 min | Irlanda, Reino Unido, Estados Unidos da América, Grécia | Direção: Yorgos Lanthimos | Roteiro: Yorgos Lanthimos, Efthimis Filippou | Elenco: Emma Stone, Jesse Plemons, Willem Dafoe, Margaret Qualley, Hong Chau, Joe Alwyn, Mamoudou Athie, Hunter Schafer.
Distribuição: 20th Century Studios.