Abertamente hitchcockiano, Um Beijo Antes de Morrer (A Kiss Before Dying, 1991) entrega bons momentos de suspense. Mas, peca nos detalhes ao construir o seu vilão.
O diretor e roteirista do filme, James Dearden, ganhou prestígio pelo roteiro de Atração Fatal (Fatal Attraction, 1987), grande sucesso estrelado por Michael Douglas e Glenn Close. Com esse triunfo, escreveu e dirigiu Espião: Profissão de Morte (Pacali’s Island, 1988), protagonizado por Ben Kingsley. Em seguida, realizou esta homenagem a Alfred Hitchcock, que teve uma recepção fraca na época. Porém, hoje, merece uma reavaliação, tendo em mente que as suas referências ao mestre do suspense são, acima de tudo, reverências.
O filme é uma adaptação do livro de Ira Levin, que já chegara às telas nas mãos do diretor Gerd Oswald. O título original desse filme é o mesmo deste, mas no Brasil ganhou a tradução de Amor, Prelúdio de Morte (1956).
O prólogo de Um Beijo Antes de Morrer é sutilmente estilizado. O visual vintage apresenta a textura, as cores e até os efeitos visuais que remetem a Um Corpo que Cai (Vertigo, 1958). Aliás, essa obra-prima de Hitchcock surge na televisão que a protagonista assiste em certo ponto da trama. Além disso, inspira a trama, tanto no primeiro assassinato como na cena em que a personagem principal tinge seus cabelos para ficar parecida com sua falecida irmã.
Essa parte inicial já revela o crime e o assassino, Jonathan Corliss (ou Jay), interpretado por Matt Dillon. Com isso, fica evidente que o filme não é um whodunit, mas um filme de suspense. O que instiga o espectador é compreender o que motiva esse serial killer. Ao mesmo tempo, torcer para que a protagonista Ellen Carlsson (Sean Young) descubra que se casou com um psicopata e consiga escapar a tempo.
O vilão
De fato, é na construção do vilão que o roteiro apresenta sua força, mas também a sua fraqueza. Jonathan entra no filme revelando que é um assassino e a história precisa, por isso, acrescentar novas camadas de vilania nesse personagem. Essa construção é bem realizada, e impressiona ao expor o seu frio calculismo. Como a conclusão revela, num desfecho consistente, Jonathan desenvolve sua obsessão doentia pelo sucesso material observando, da janela do seu quarto, os vagões da empresa Carlsson que passam nos trilhos de trem. Assim, descobrimos que ele faria qualquer coisa para entrar nesse mundo dos vencedores. Até mesmo matar aqueles que pudessem impedir seu plano.
A violência não se materializa em imagens explícitas, mas marca presença constante ao longo do filme. Nesse sentido, se destaca a cena em que Jonathan esquarteja, na banheira, uma de suas vítimas. Esse, que talvez seja o momento mais brutal do longa, nos faz lembrar de outro serial killer que o ator Matt Dillon viria a interpretar décadas depois. Estamos falando de A Casa que Jack Construiu (The House that Jack Built, 2018), de Lars von Trier, num retrato muito mais cruel.
Essencialmente, Jonathan parece um vilão sólido. Sua motivação é clara e justificada pela sua obsessão doentia. Porém, o frio calculismo que lhe serve bem se danifica quando o filme o mostra com ímpetos de agressividade. A intensão desses momentos deve ter sido de criar tensão, ressaltando o quanto a mocinha do filme estava exposta ao perigo por ser esposa desse assassino. Contudo, essa “bomba-relógio”, ou seja, o indivíduo que pode explodir em um surto de violência, não se encaixa no calculismo desse psicopata. E esse detalhe é determinante para fazer ruir esse vilão que o filme vinha construindo.
Elenco e direção
Matt Dillon, como Jonathan, comprova que o garoto talentoso descoberto por Francis Ford Coppola em Vidas sem Rumo (The Outsiders, 1983) ainda tinha muita lenha a queimar. De fato, chegou até a uma indicação ao Oscar de ator coadjuvante por Crash: No Limite (Carsh, 2004).
Já Sean Young foi massacrada pelo papel duplo em Um Beijo Antes de Morrer. Recebeu duas Framboesas de Ouro, como pior atriz e pior atriz coadjuvante por esse filme. Um exagero, pois sua atuação não parece ruim. Ela engatou vários papeis desde que se destacou em Blade Runner: O Caçador de Androides (Blade Runner, 1982). Porém, a partir da década de 1990 passou a ser cada vez menos requisitada, e acabou restrita a filmes de menor repercussão.
Da mesma forma, Um Beijo Antes de Morrer manchou também a carreira de James Dearden. Ele dirigiu apenas dois filmes após este longa, sendo o último a comédia Sobrevivendo às Festas com os Parentes (Surviving Christmas with the Relatives, 2018).
À luz de uma revisão atual, não se justifica tamanha aversão a Um Beijo Antes de Morrer. Aparentemente, faltou considerar que se trata de um filme-homenagem a Alfred Hitchcock.
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Ficha técnica:
Um Beijo Antes de Morrer | A Kiss Before Dying | 1991 | Reino Unido, EUA | 94 min | Direção e roteiro: James Dearden | Elenco: Matt Dillon, Sean Young, Max von Sydow, Diane Ladd, Martha Gehman, James Bonfati, Adam Horovitz, Jim Fyfe, James Russo.