O filme A Verdadeira História de Ned Kelly tira o glamour do lendário bandido australiano que virou um marco essencial do cinema.
Antes de tudo, um pouco de história. Ned Kelly morreu em 1880, aos vinte e cinco anos, e, dezesseis anos depois, virou filme. E não um filme qualquer. De fato, a produção australiana The Story of the Kelly Gang é considerada o primeiro longa-metragem da história do cinema. Posteriormente, outras versões para o cinema teriam esse criminoso como personagem principal, uma até com o cantor Mick Jagger no seu papel.
Agora, esta adaptação do livro de Peter Carey traz na direção Justin Kurzel, conhecido pelo bom filme Macbeth: Ambição e Guerra (2015). A princípio, Kurzel procura mostrar como foi a infância de Ned Kelly, na tentativa de aprofundar o personagem, mas a impressão que o longa deixa é que essa tarefa é impossível. Afinal, nada explica a mudança de comportamento que o fez perder o receio de apertar o gatilho e matar uma pessoa.
Assim, um terço de A Verdadeira História de Ned Kelly se passa durante a infância do bandido. Nesse segmento, o ator que o interpreta é Orlando Schwerdt, uma perfeita versão criança do protagonista vivido por George Mackay (de 1917) quando adulto. Na verdade, os dois estão assustadoramente esquisitos.
A trama
A mãe de Ned despreza o marido, um irlandês condenado enviado pelos ingleses para a Austrália. Por isso, ela presta favores sexuais ao Sargento O’Neill, como forma de pagar o aluguel e a sua proteção.
Eventualmente, ela vende Ned Kelly para o ladrão Harry Power, que usa o garoto para um assalto. Logo, Power pede que Ned mate o Sargento O’Neill, mas apenas consegue feri-lo. Então, considerado mole demais, Power devolve o garoto para a mãe.
Mesmo assim, Ned passa dez anos na prisão por ter atirado no sargento. Após ser libertado, se mostra agressivo quando luta para ganhar dinheiro. E, no retorno à família, encontra os irmãos sendo liderados pelo novo namorado da mãe para praticar assaltos vestindo roupas de mulher – fato que se tornou lendário.
Até então, Ned Kelly não é o frio assassino que viria a se tornar. Por duas vezes, demonstra que não é capaz de matar à queima roupa o policial mau caráter Fitzpatrick, que atormenta sua família. Propositalmente ou não, o filme não consegue justificar o que o transformou. Depois de uma conversa com os irmãos, onde eles se declaram orgulhosos que são filhos do pai deles e, consequentemente da Irlanda, Ned aborda e mata friamente, com toques de selvageria, alguns policiais que são pegos de surpresa.
A partir de então, A Verdadeira História de Ned Kelly segue a trajetória conhecida de Ned Kelly, com seus golpes violentos e a famosa invenção de uma armadura para a gangue que se tornou numerosa. Assim, a conclusão, seguindo os fatos, revela o assalto ao trem que não deu certo e resultou na dizimação do grupo, com rajadas de balas dignas de Bonnie e Clyde, filme de 1967 dirigido por Arthur Penn que também conta a estória de bandidos famosos.
Punk is not dead
Por outro aspecto, um toque original e que combina com a personalidade sem freios de Ned Kelly é a utilização de algumas músicas punks em A Verdadeira História de Ned Kelly, mesmo que esse estilo musical ainda estivesse longe de ser criado. Curiosamente, outro filme lançado recentemente coloca o punk numa história que se passa no final do século 19: Miss Marx (2020).
Enfim, A Verdadeira História de Ned Kelly possui um ritmo forte, atuações explosivas e muita ação. Mas a ausência de uma explicação para a mudança do patamar de agressividade do famoso protagonista deixa um vazio que conduz o filme para perto da superficialidade.
Ficha técnica:
A Verdadeira História de Ned Kelly – Austrália/França/Reino Unido, 125 min. Dir: Justin Kurzel. Rot: Shaun Grant. Elenco: Russel Crowe, George MacKay, Essie Davis, Orlando Schwerdt, Nicholas Hoult, Charlie Hunnam, Ben Corbett, Claudia Karvan, Sean Keenan, Thomasin McKenzie, Earl Cave.
Distribuição: A2 Filmes