Em Amonite, as personagens opostas de Kate Winslet e Saoirse Ronan se envolvem numa paixão arrebatadora.
A história acontece em 1840, na Inglaterra. Nesse filme repleto de simbolismos, Mary Anning (Kate Winslet) é uma reclusa paleontóloga que procura e pesquisa fósseis na pequena cidade litorânea de Lyme Regis, onde mora com a mãe. Uma das espécies que ela coleta é a amonite, uma concha em espiral fossilizada. Há uma relação metafórica da amonite com Mary, que é uma solteirona avessa ao convívio social que se sente melhor enfiada dentro de seu restrito mundo.
Eventualmente, ela recebe a visita de Roderick Murchison (James McArdle), um londrino rico que admira o seu conhecimento de especialista. Junto com ele, vem sua debilitada esposa Charlotte Murchison (Saoirse Ronan). Então, após acompanhar a rotina da paleontóloga, Roderick propõe que ela permita que a esposa a acompanhe em sua rotina, pois ele pretende deixar a esposa na cidade por algumas semanas. Segundo ele, o clima litorâneo será benéfico para a saúde dela.
Apesar de não gostar da ideia de ter companhia, Mary aceita porque necessita do dinheiro que Robert oferece por esse serviço.
Contudo, Mary trata Charlotte com indiferença, e a jovem adoece gravemente. Diante disso, ela se sente obrigada a acolher e cuidar da forasteira em sua própria casa. Nesse processo, nasce uma inesperada paixão entre essas duas mulheres com tão pouco em comum.
Charlotte
Como resultado, Charlotte se transforma completamente. No início, ela é uma pálida mulher que mal fala, sufocada pela submissão imposta pelo seu marido. Com a doença, sua aparência piora ainda mais. Porém, quando surge o relacionamento íntimo com Mary, suas feições ganham rubor, o sorriso surge e a sua postura se torna altiva. Por fim, já na conclusão Charlotte expõe a empolgação exagerada de sua juventude, antes retraída.
Mary
Por outro lado, Mary não perde a rigidez solidificada ao longo de várias décadas. Apesar de o calor de sua paixão por Charlotte derreter momentaneamente a carcaça que afasta as pessoas, a paleontóloga não se transforma internamente.
Contudo, de alguma forma, algum indício externo permite que a personagem Elizabeth Philpot (Fiona Shaw) perceba que ela cedeu aos encantos de Charlotte. Assim, nessa conversa, já na parte final de Amonite, conseguimos entender que esta mulher mais velha tentou seduzir Mary, há muito tempo. Aparentemente, Mary se recusou e ficou abalada com a experiência. Então, é possível interpretar que, por isso, ela se tornou essa pessoa reclusa. Porém, o filme não deixa isso expressamente claro, abrindo margem para outras leituras.
Diferenças
No mesmo sentido, o final é aberto. Os arranjos meticulosamente planejados por Charlotte levam a resultados inversos ao que ela desejava, e afastam Mary. Então, na última cena, enquanto Mary visita o fóssil que ela encontrou e que está exposto no British Museum, Charlotte se aproxima. As duas se olham sem falar nada, separadas pelo móvel que expõe o fóssil. A metáfora é evidente. Ou seja, simboliza a paixão das duas mulheres, separadas pelo trabalho que tem sido a razão de viver para Mary.
Aliás, a diferença de classe entre as duas fica clara na discussão em Londres. O trabalho com os fósseis sempre foi a única motivação da paleontóloga. Porém, para Charlotte, parecia um esforço sacrificante acordar cedo diariamente e buscar pedras nas praias frias. Adicionalmente, a idade também pesa como fator de freio para o entusiasmo em relação a essa paixão entre as duas. Charlotte está disposta a mudar sua vida por ela, mas Mary não é assim tão impulsiva. Tal qual a concha que ela estuda, sua personalidade já está fossilizada.
Atuações
Neste seu segundo longa-metragem, o ditetor Francis Lee prioriza as atuações. Com isso, consegue destacadas interpretações de suas atrizes principais. Na verdade, Kate Winslet só confirma seu talento que lhe rendeu o Oscar de Melhor Atriz, por O Leitor (2008), e mais seis indicações para o prêmio. Por outro lado, Saoirse Ronan, com 27 anos, já acumulou quatro indicações à estatueta. Ronan surpreende nesse personagem que se modifica durante o filme.
As duas surpreendem na segunda cena de sexo do filme, bem ousada para atrizes desse porte. O calor dessa cena é comparável à equivalente em Carol (2015). Porém, a trama com duas mulheres atraídas uma pela outra, num local britânico à beira-mar, durante um prazo previamente determinado, na Inglaterra dos séculos anteriores ao 20, se aproxima mais de Retrato de Uma Jovem em Chamas (2019). Aliás, três ótimos filmes sobre o assunto.
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Ficha técnica:
Amonite (Ammonite) 2020. Reino Unido/Austrália/EUA. 120 min. Direção e roteiro: Francis Lee. Elenco: Kate Winslet, Saoirse Ronan, Gemma Jones, James McArdle, Alec Secareanu, Fiona Shaw, Claire Rushbrook.
Distribuição: Sony.