“Dália Negra”: O film noir de Brian De Palma carece de suspense
Em “Dália Negra” (The Black Dahlia), o diretor Brian De Palma leva o romance ficcional de James Ellroy para as telas, privilegiando o gênero policial, com características de film noir. Com isso, deixa de lado o suspense, que fora o elemento essencial na sua filmografia. A história se baseia no crime real que aconteceu em Los Angeles em 1947, um assassinato horrendo que nunca foi solucionado.
Dwight ‘Bucky’ Bleichert (John Hartnett) é o narrador do filme. Ele é um ex-boxeador que entra para a polícia e conhece Lee Blanchard (Aaron Eckhart), outro policial boxeador. Em um plano para angariar fundos para a divisão deles, ambos se enfrentam no ringue. A luta é um sucesso e os dois viram parceiros no combate ao crime. Logo, a amizade transcende o ofício, e um triângulo amoroso se forma com a presença de Kay Lake (Scartett Johansson), namorada de Lee.
Em uma das investigações, os dois policiais esbarram num cadáver de uma mulher cruelmente mutilada. Sua boca foi cortada dos dois lados até a orelha, seus órgãos internos retirados. A vítima é Elizabeth Short (Mia Kirshner), uma jovem aspirante a atriz, que se meteu em prostituição e filmes pornográficos. Então, ao vasculhar os lugares por onde ela passou, Bucky conhece a misteriosa Madeleine Linscott (Hilary Swank), filha de um milionário da construção civil.
Estilo De Palma
O maneirismo característico de Brian De Palma está mais contido, como aconteceu outras vezes em sua carreira quando dirigiu filmes de grande orçamento. De fato, o equilíbrio entre o cinema de autor e o clássico De Palma atingiu seu ápice em “Os Intocáveis” (The Untouchables, 1987). Nesse sentido, aqui o uso de fusões nos cortes no filme é frequente. Ademais, a tonalidade marrom ambienta “Dália Negra” na época dos seus acontecimentos, assim como o uso de cenários de estúdio, remetendo às produções cinematográficas dos anos 40. Mesmo assim, o estilo de De Palma surge em vários momentos.
O primeiro indício de que se trata de um filme desse diretor é o rápido travelling até o rosto de Scarlett Johansson, em sua primeira aparição na história. Um pouco depois, um giro da câmera dentro da delegacia, para comemorar a volta de Bucky após a luta, também denuncia a presença de De Palma. Porém, o que o identifica claramente é a bela sequência da emboscada que levará até a vítima do crime da dália negra. Primeiro, a grua sobe a câmera por cima de um prédio de poucos andares, permite avistarmos em profundidade uma mulher gritando por socorro do outro lado da rua. Depois, a câmera acompanha a chegada de um carro, até se avistar o suspeito procurado por Lee. Tudo em plano sequência, lembrando o início de “A Marca da Maldade” (Touch of Evil, 1958), de Orson Welles.
Referências
Mas, claro, não podia faltar referências a Alfred Hitchcock. No topo do prédio, dois corvos aparecem em destaque – remetendo a “Os Pássaros” (The Birds, 1963) – e um deles pousará perto do rosto da vítima, quando temos um breve enquadramento do rosto terrivelmente cortado “de orelha a orelha”. Outra referência ao mestre do suspense surge posteriormente, ao retomar o tema de “Um Corpo Que Cai” (Vertigo, 1958). Como o Scottie de James Stewart, Bucky vê em Madeleine uma sósia da vítima, por quem ele fica obcecado após assistir trechos de seus filmes.
Além disso, em “Dália Negra”, De Palma revisita seus próprios filmes, também. As iniciais do criminoso Dolph Bleichert foram marcadas à faca nas costas de Kay, semelhantes às cicatrizes da cirurgia da personagem de Margot Kidder em “Irmãs Diabólicas” (Sisters, 1972). O split screen, tão perfeitamente usado nesse citado filme, aqui surge de forma horizontal, com um jornal na parte de baixo, na cena do parque. A câmera que gira em torno dos personagens durante o interrogatório repete um recurso memorável no final de “Trágica Obsessão” (Obsession, 1976).
O talento de De Palma
Enfim, fazendo referências ou não, outras sequências comprovam o talento do diretor. Por exemplo, a câmera posicionada de cima para baixo, muito utilizada para causar a sensação de estranheza, se adequa à cena em que a vítima está deitada sobre a mesa no necrotério, enquanto um médico legista relata em detalhe as chocantes condições do corpo. Da mesma forma, o momento crucial dos assassinatos na escadaria recebe atenção especial de De Palma, com cada instante minuciosamente pensado, como o uso da câmera lenta para enfatizar os instantes mais dramáticos. Por fim, o uso da câmera subjetiva, do ponto de vista de Bucky ao visitar pela primeira vez a casa de Madeleine, se mostra essencial para colocar o espectador dentro do ambiente de uma família muito estranha.
Além disso, De Palma coloca até sua voz no filme, quando faz o papel do diretor instruindo a vítima Elizabeth em um teste. O que falta em “Dália Negra” é suspense, e essa lacuna o torna menos interessante. O diretor desperdiça o potencial de criar um clima tenso a partir do crime não desvendado, dos personagens doidos da família de Madeleine ou do aprofundamento da complexidade psicológica de Lee.
Ficha técnica:
Dália Negra (The Black Dahlia, 2006) 121 min. Dir: Brian De Palma. Rot: Josh Friedman. Com Josh Hartnett, Aaron Eckhart, Scarlett Johansson, Hillary Swank, Mia Kirshner, Mike Starr, Fiona Shaw, Patrick Fischler, James Otis, John Kavanagh, Troy Evans, Anthony Russell, Pepe Serna, Angus MacInnes, Rachel Miner, Jemima Rooper, Rose McGowan, k.d. lang.
Assista: Brian De Palma fala sobre “Dália Negra”
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