O filme O Direito de Viver pede a revisão da legalização do aborto nos Estados Unidos.
Para isso, conta a história do Caso Rose contra Wade que levou a Suprema Corte dos Estados Unidos a reconhecer o direito ao aborto ou interrupção voluntária da gravidez no país. A ação judicial foi movida por Norma L. McCorvey (designada nos atos como Jane Roe) contra o Estado do Texas, representado pelo seu procurador Henry Wade. A jovem pleiteava o aborto de uma gravidez provocada por um estupro.
O filme acompanha os dois lados da disputa, gradativamente expondo a sua posição nesta questão.
Dr. Bernard Nathason
De um lado, o médico Dr. Bernard Nathanson. Quando jovem, teve uma experiência traumática com o aborto de sua namorada, prática ainda proibida. Por isso, quando se formou, ajudou as entidades pró-aborto e lucrou muito realizando dezenas de procedimentos por dia. Os diretores de O Direito de Viver, os estreantes Cathy Allyn e Nick Loeb (que interpreta Nathanson), filmam as partes desse protagonista com narrativa em off e congelamento de imagens que sublinham os comentários. Dessa forma, esse recurso emula, timidamente, o que Adam McKay faz em A Grande Aposta (2015) e Vice (2018), para tornar interessante e compreensível temas complexos. No caso de McKay, eram o mercador financeiro e a política; aqui as questões jurídicas. Com isso, também aproxima os que lutaram pelo aborto dos personagens mau caráter desses filmes.
Aliás, o Dr. Nathanson é o pivô da história, pois ele muda radicalmente sua posição quando o exame de ultrassom surge e ele pode ver o feto na barriga de uma paciente. A partir de então, o médico começa a combater a prática do aborto. De fato, seus dois documentários, The Silent Scream (1984) e Eclipse of a Reason (1987), e sua autobiografia “Hand of God” (1996), provavelmente serviram de base para o roteiro de O Direito de Viver, apesar de não oficialmente creditados.
Planned Parenthood
Em paralelo, o filme apresenta a organização Planned Parenthood, que acabou se tornando o maior fornecedor de serviços reprodutivos, incluindo o aborto, nos EUA. Os realizadores de O Direito de Viver apontam a origem racista dessa entidade, através de imagens de sua fundadora, Margaret Sanger, declarando a necessidade de reduzir a população negra, por ela considerada inferior. Segundo ela, os abortos contribuiriam nessa questão.
O Direito de Viver mostra o envolvimento do Dr. Nathanson com a Planned Parenthood e com as líderes de movimentos feministas. Juntos, eles usaram o aborto como bandeira da liberação das mulheres, nos efervescentes anos 1970, quando se deu o julgamento do Caso Roe contra Wade.
Drª Mildred Jefferson
Por outro lado, o longa mostra os opositores à legalização do aborto. Um deles é o próprio Henry Wade, que não aceitava ser derrotado pelas advogadas iniciantes que representavam Jane Roe. Além dele, o filme apresenta a Drª Mildred Jefferson, que sofria o preconceito de gênero em seu trabalho, mas separava o feminismo da legalização do aborto.
Nesse ponto, O Direito de Viver peca por não construir na Drª Jefferson uma protagonista com proeminência similar ao de seu opositor, o Dr. Nathanson. Ao invés de aproveitar um duelo que renderia muito em termos narrativos, o roteiro prefere elencar todos os elementos que levaram à decisão da Suprema Corte Federal de liberação do aborto.
Na verdade, faltam personagens simpáticos no filme, sejam eles protagonistas ou secundários. Não importa de que lado estejam, nenhum deles conquista a empatia do espectador. Por exemplo, nem a vítima de ingenuidade Norma L. McCorvey (ou Jane Roe), nem as advogadas dela, e muito menos Wade e sua equipe.
Denúncia
Acima de tudo, o filme defende que a decisão foi política e influenciada pelo ativismo feminista. Além disso, que alguns juízes não estavam isentos para decidir o caso, pois tinham parentes colaborando para a Planned Parenthood. Da mesma forma, denuncia que judeus incentivavam o aborto e indicavam clínicas clandestinas para essas intervenções. Enfim, o longa apresenta muitas informações controversas que demandariam que a questão fosse novamente discutida, mas O Direito de Viver não aprofunda esse debate. Um exemplo claro dessa superficialidade é encerrar uma cena de tribunal com um comentário em tom de piada.
Ou seja, O Direito de Viver é abertamente contrário ao aborto como ele está legalizado hoje nos Estados Unidos. E, veladamente, assume uma postura cristã, criticando as demais religiões. Aliás, por isso, a produção recebeu vários prêmios no Christian Film Festival-Menchville Baptist Church. Enfim, vale como filme denúncia de um determinado ponto de vista, mas não permite o aprofundamento na questão que propõe discutir. Ademais, como cinema, os diretores estreantes perdem a chance de engajar emocionalmente o público.
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Ficha técnica:
O Direito de Viver | Roe v. Wade | 2021 | EUA | 112 min | Direção: Cathy Allyn, Nick Loeb | Roteiro: Cathy Allyn, Nick Loeb, Ken Kushner | Elenco: Jon Voight, Nick Loeb, Stacey Dash, Jamie Kennedy, Joey Lawrence, Corbin Bernsen, Greer Grammer, John Schneider, Robert Davi, Steve Guttenberg, William Forsythe, James DuMont, Summer Joy Campbell, Justine Wachsberger.
Distribuição: A2 Filmes