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O Truque da Galinha (filme)
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O Truque da Galinha | Por Sérgio Alpendre

Avaliação:
8/10

8/10

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Crítica | Ficha técnica

Em O Truque da Galinha, longa egípcio de Omar El Zohairy, uma família vive numa casa simples, com paredes de pinturas gastas, iluminação frágil e poucos móveis. Pai, mãe e três filhos, um deles bebê, dividem a casa. Pai e mãe se esmeram numa festa de aniversário para um dos filhos. Os mágicos contratados, contudo, ao fazer um número de transformação, não conseguem reverter o feito e o pai da família é transformado em uma galinha.

Temos então que um drama familiar filmado de modo realista, ou até neorrealista, se quisermos pensar na herança do cinema de Abbas Kiarostami e no que este, por sua vez, herdou do neorrealismo italiano, tem um toque de fábula que contamina o enredo e coloca um aspecto interessante de absurdo no cotidiano, algo kafkiano que o diretor usa para fazer sua crítica. Sem o homem, provedor da casa de uma sociedade patriarcal, a mãe depende de subempregos e as contas não fecham.

Inesperado

Mas não é só a transformação de um pai numa galinha que dá contornos absurdos à trama. É também o modo de filmar. Numa cena, a mãe está ocupada com os afazeres de casa quando a iluminação repentinamente cai. O contracampo mostra então que uma fumaça cinza da fábrica ao lado ocupou boa parte da vista da janela, produzindo o efeito de um anoitecer repentino que veremos outras vezes no decorrer do filme.

Em outro momento, a câmera de dentro de um carro estacionado numa espécie de terreno baldio que se assemelha a um cenário de filmes pós-apocalípticos é surpreendida por um macaco, que pula no capô do carro para pegar uma banana. Quem teria colocado a banana no capô permanece um mistério, mas a família, com a ajuda de um amigo, foi procurar um mágico num circo para tentar desfazer o feitiço, e o circo estava acampado nesse terreno. Temos, nessas e em outras cenas, a agradável sensação de não ter a menor ideia de como o filme irá se desenrolar.

A família passa a conviver sem o pai e com esse novo animal de estimação; mas vez ou outra explode alguma crise, como o filho mais velho incendiando e quebrando objetos pela casa depois de trancar o irmão no quarto. O humor de O Truque da Galinha vem de coisas inesperadas, geralmente com animais. E aí ficamos pensando, dado o humor inusitado do filme, se os animais que vemos fazendo coisas estranhas não eram humanos antes de alguma transformação mágica. Tudo é possível, já que no filme, sabiamente, nada é muito explicado.

A direção

Mas seu grande trunfo é a maneira como El Zohairy filma. Seus enquadramentos lembram os de Kiarostami, decerto, com o predomínio de composições que primam pela atenção espacial dos ambientes em que os personagens estão; mas também, em muitos momentos, os de Lucrecia Martel, ao privilegiar recortes inusitados da cena. Por vezes, o recorte parece exagerado, como numa cena em que o bebê toma mamadeira e seu rosto está cortado pelo limite do quadro. Mas são mínimos os efeitos colaterais dessa opção.

Impossível não falar da ligação óbvia com o maior cineasta egípcio de todos os tempos: Youssef Chahine. A câmera raramente, ou mesmo nunca, filma a esmo, como é tão comum no cinema contemporâneo. Sempre há alguma preocupação com a composição para maior efeito dramático. A luz nunca chega a ser incisiva a ponto de provocar chiaroscuros; mas adquire também uma preocupação dramática pelos recortes do espaço com sombras discretas, acompanhando cores esmaecidas.

Para um diretor em seu primeiro longa, o jovem Omar El Zohairy revela muita segurança na mise en scène e um olhar consciente e perspicaz para as possibilidades do cotidiano. Sem dúvida é um nome a ser acompanhado.

Texto escrito pelo crítico e professor de cinema Sérgio Alpendre, especialmente para o Leitura Fílmica.


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