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Quando Falta o Ar (filme)
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Quando Falta o Ar | Por Solange Peirão

Avaliação:
7/10

7/10

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Crítica | Ficha técnica

As filmagens de Quando Falta o Ar transcorreram entre outubro de 2020 e janeiro de 2021, ocasião em que a pandemia do coronavírus ainda não dispunha de vacinação no Brasil. Em suas andanças, as diretoras Ana Petta e Helena Petta percorreram os estados do Amazonas, Bahia, Pará, Pernambuco e São Paulo, registrando o atendimento que o SUS (Sistema Único de Saúde) disponibilizava à população brasileira. Ou melhor, à população pobre de nosso País.

E, obviamente, acaba por ser uma homenagem aos médicos, paramédicos, enfermeiros, pessoal de serviço que atendem em nossa valiosa rede de saúde pública, de prestígio internacional. Ao final do documentário, vem o registro: são 160 milhões de pessoas que só dispõem do SUS como recurso para o atendimento médico, em todos os 5.570 municípios brasileiros.

O documentário aperta-nos o coração pela constatação das carências e da pobreza dessa imensa maioria de cidadãos que, aliás, já conhecemos sobejamente. Mas, o sentido maior desse registro é o de nos comover diante do rigor e empenho dos profissionais da saúde, frente a um mal ainda pouquíssimo conhecido. E trabalhando corajosamente em condições precárias.

Já, de cara, a cena que inicia o filme, é tocante. Uma canoa frágil, com alguns servidores paramentados, navegando em um rio que se supõe ser o Amazonas, ou algum de sua rede fluvial, margens cobertas por densa vegetação. A canoa se aproxima de uma outra, pequenina, com uma única pessoa. Então, o técnico se debruça e estende seu braço para alcançá-la e medir sua temperatura. Quantas metáforas explícitas, sobre a exuberância da natureza em contraste com a fragilidade humana…

Espírito e alma

Daí seguem-se as abordagens dos agentes de saúde em diversas comunidades Brasil afora, em uma ação para orientar sobre a prevenção da doença, aquelas tantas determinações que escutamos nos últimos anos. É interessante que acaba por se esclarecer que essas visitas dos agentes comunitários já se faziam rotineiramente, mesmo antes da pandemia. E, nesse contexto, fica claro outros traços que ligam os agentes com a comunidade. Assim, vemos o conhecimento das carências que se mostra, por exemplo, na necessidade de orientar sobre o banho, “se for dia de água”; ou então, o laço afetivo que os une, já que muitos verbalizam serem os agentes como membros de suas famílias.

Quanto ao atendimento hospitalar, para onde acorrem os pacientes, “quando falta o ar”, a dedicação, quase desesperada e urgente dos profissionais da saúde, se expressa das mais variadas maneiras. Ou seja, desde a equipe que providencia música para o ambiente dos internados, até a médica que faz sua aproximação cotidiana dos pacientes em coma induzido, cumprimentando e conversando com eles, como se pudessem ouvir. A justificativa: o ser humano não é só corpo, mas espírito e alma, e é com essa camada que também interagimos. Segundo ela, está comprovado que pacientes, que tiveram essa atenção, se recuperam melhor, ao sair do coma.

E essa perspectiva da espiritualidade nos leva para uma outra constatação, em outros momentos do documentário: a forte religiosidade da população brasileira. Um traço cultural ou uma nota ocasional, durante uma catástrofe social inesperada? O fato é que a crença religiosa, dos mais diferentes matizes, encontra agora expressão, tanto entre os doentes como entre os profissionais.

A peste

Outra sequência interessante do documentário é o acompanhamento da rotina de uma médica negra que atende presidiários. Aqui também fica claro tanto seu profissionalismo como sua crença, por exemplo, na música, como instrumento de resgaste da dignidade humana. E foi por ela, também, que vieram as observações políticas mais abrangentes: o SUS é uma política de Estado e não de Governo. Ou seja, mesmo que as direções do atual governo caminhem no sentido contrário ao que a ciência preconiza, nada pode “nos obrigar a usar um protocolo que envenene as pessoas”. E termina com essa declaração: “Nós somos o SUS, ele está dentro de nós”.

Além disso, é dela, também, que parte a constatação: dos ¾ das pessoas que vivem em extrema pobreza, no Brasil, a grande maioria é negra, que sobrevive com 145 reais por mês. São eles que saem em completa desvantagem para se proteger, durante a pandemia. E outro agente comunitário lembra quando, nesse período cruel, se exigia a reclusão domiciliar: “Ficar em casa e morrer de fome, ou sair de casa e morrer de peste”.

Por fim, é de “A Peste”, de Albert Camus, a frase que abre o documentário, e que serve, muito apropriadamente, para enaltecer os profissionais do SUS: “Há nos seres humanos mais coisas a admirar do que a desprezar”.  

Texto de autoria de Solange Peirão, historiadora e diretora da Solar Pesquisas de História.


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