Após retratar a infância através dos olhos de protagonistas de vários seus filmes, Steven Spielberg agora revela sua própria história de amadurecimento. Seu novo filme, Os Fabelmans (The Fabelmans), se baseia nas suas experiências entre os sete e os dezoito anos. Na verdade, Spielberg recorrentemente trouxe à tona questões que o marcaram – em especial, a ausência do pai. Mas, desta vez, ele lida com elas de forma direta. Assim, realiza seu filme mais pessoal dando um passo significativo em sua evolução como diretor. É o amadurecimento de Spielberg, e funciona como uma injeção de coragem para futuros saltos mais arriscados. Afinal, sua filmografia recente oscila entre projetos movidos pelo seu amor pelo cinema (por exemplo, Amor, Sublime Amor [West Side Story, 2021]), questões sociais (The Post [2017]) e a busca pelo sucesso de bilheteria (O Bom Gigante Amigo [The BFG, 2015]), nem sempre resultando em bons filmes.
Os Fabelmans se inicia em 10 de janeiro de 1952, em Nova Jersey, onde vive Sam Fabelman com os pais, Burt e Mitzi, e as três irmãs mais novas. Burt trabalha com o melhor amigo Bennie, sempre presente na família e que será responsável por uma ruptura crucial nessa composição. A ascensão profissional do pai leva todos para o Arizona, a primeira parada nessa jornada de crescimento de Sam.
A história de Sam
O filme possui três linhas narrativas principais. A mais empolgante é a que acompanha o nascimento do futuro cineasta Sam (alter-ego de Steven Spielberg). O processo começa com sua primeira ida ao cinema, seguida da tentativa de refilmar com a câmera do pai o acidente de trem que viu na tela, usando seus brinquedos como miniaturas. A evolução continua com os projetos que envolvem os demais temas cruciais desse período de sua vida.
O relato mostra que as duas outras narrativas se resolvem através desse seu interesse por filmar. Assim, ao editar as filmagens do acampamento em família, ele descobre a paixão secreta entre sua mãe Mitzi e o amigo Bennie. A descoberta lembra a investigação do fotógrafo em Blow-up (1966) e do editor de som em Um Tiro na Noite (Blow Out, 1981). E Sam usa as imagens editadas para comunicar à mãe a angústia que ele não é capaz de verbalizar. Além disso, essa passagem mostra o poder da edição, quando Sam projeta o filme das férias deixando de fora os trechos comprometedores.
A outra questão tem menor força dramática. Trata, principalmente, do bullying antissemita que Sam sofre na escola quando a família se muda para a Califórnia. Não que o tema seja menos importante, mas é um assunto já costumeiramente retratado em tantos outros filmes sobre amadurecimento (os coming of ages movies). Nesse caminho, com o filme que Sam realiza sobre o dia na praia da turma, ele descobre a capacidade do cinema de influenciar as pessoas. De fato, o seu registro arrasa com o garoto invocado, mas glorifica o amigo dele, que no fundo tem bom coração.
Distanciamento
Spielberg prefere não retratar a amargura que o afastou do pai durante quinze anos. No filme, Burt se dedica ao trabalho, e esse é o motor que o faz se mudar para outras cidades com a família. Mas, o enredo não o apresenta como aquele pai completamente ausente. Em relação a Sam, fica evidente o desprezo pelo interesse do filho por cinema – um hobby, segundo o pai. Contudo, a separação dos pais resulta da vontade da mãe, e não de Burt. Aliás, um trecho emblemático é o rápido plano que mostra Sam filmando a dramática reunião de família em que os pais comunicam que vão se separar. Esse breve instante simboliza o distanciamento que Spielberg consegue somente posteriormente, quando se reconcilia com o pai.
Além deste, Os Fabelmans traz outros momentos marcantes para o cineasta Spielberg. Como o storyboard precário que Sam exibe ao tio trazendo um personagem que olha para algo que o espectador ainda não vê – e que se tornaria uma das marcas do seu cinema. Ou, então, quando descobre o seu talento para dirigir atores, ao obter um resultado impressionante do colega no filme de guerra da sua turma de escoteiros. Por fim, o abrupto deslocamento da câmera na última cena, para posicionar o horizonte no fundo do enquadramento. É a reverência de Spielberg ao mestre John Ford, bem como a todos os grandes diretores que o ensinaram, diretamente ou através dos filmes.
Enfim, Os Fabelmans prova que Spielberg tem a coragem de se aprofundar em questões íntimas e trazê-las à tona para todos verem. Com isso, rompe uma barreira que o limitava criativamente em projetos menos pessoais. Ainda não é o melhor que Spielberg pode fazer dentro desse eixo. Mas abre promissoras perspectivas.
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Ficha técnica:
Os Fabelmans | The Fabelmans | 2022 | 151 min | EUA | Direção: Steven Spielberg | Roteiro: Steven Spielberg, Tony Kushner | Elenco: Michelle Williams, Gabriel LaBelle, Paul Dano, Judd Hirsch, Seth Rogen, Jeannie Berlin, Sam Rechner, Oakes Fegley, Chloe East, Isabelle Kusman, Mateo Zoryan, Keeley Karsten, Alina Brace, Julia Butters, Birdie Borria, Sophia Kopera.
Distribuição: Universal Pictures.
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