Serra das Almas, de Lírio Ferreira, acrescenta um gosto de Tarantino no saboroso cinema pernambucano.
A narrativa fragmentada desafia o espectador a descobrir qual seria a ordem cronológica dos eventos que o filme mostra. O presente, embora bem definido mescla cenas paralelas. Assim, no início do filme, enquanto uma moça tranquilamente se banha num rio do interior, uma van dispara em alta velocidade por uma estrada de terra, carregando dois bandidos e quatro reféns (um deles já morto). Todos acabam na casa onde a moça mora com seu namorado. Agora, então, são obrigados agora a abrigar as duas reféns sobreviventes, três bandidos e um azarado que estava no lugar e na hora erradas.
Nesse engenhoso roteiro, uma das sequências parece não se encaixar no passado e nem no presente. É aquela que traz a moça do rio com o cabelo clareado, e faz parte de uma das surpresas que o filme guarda para o espectador. Por isso, a revelação do que aconteceu para esses personagens estarem nessa situação não é o ponto alto da trama, embora possa parecer. É por esse motivo que deixa a impressão de que ela chega cedo demais no enredo.
Frenético e tenso
Desde o início, com a van em fuga, Serra das Almas sustenta um tom frenético e tenso. A violência está sempre prestes a explodir. Principalmente por conta de um dos bandidos, chamado Charles, um louco descontrolado que a qualquer momento pode meter a bala em alguém. Ao mesmo tempo, os capangas fora-da-lei servem como alívio cômico. Pouco instruídos, falam coisas engraçadas, praticam trapalhadas e até matam um inocente sem querer. Os seus diálogos remetem ao que Quentin Tarantino costuma fazer, com personagens conversando sobre besteiras antes de cometerem suas atrocidades.
Mas, Lírio Ferreira, diretor de Baile Perfumado (1996) e Árido Movie (2005), tendo se inspirado conscientemente em Tarantino ou não, faz questão de marcar que seu cinema é pernambucano. Como seu colega Cláudio Assis em Amarelo Manga (2002) e Piedade (2019), Ferreira filma uma cena colocando a câmera a transitar pelos cômodos por cima, evidenciando as paredes divisórias. Uma liberdade rebelde, E que remete a outro cineasta americano, o Brian De Palma, que ousou colocar a câmera atrás de uma geladeira em Irmãs Diabólicas (Sisters, 1972).
Para destacar um toque mais pessoal, diferente, a cena de ação no flashback com a bateria como fundo musical, planos curtos e tremidos, ficou emocionante.
Serra das Almas é filme de gênero de primeira linha. Fruto de um roteiro brilhante levado às telas por um dos melhores diretores brasileiros deste século.
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Ficha técnica:
Serra das Almas | 2024 | 121 min. | Brasil | Direção: Lírio Ferreira | Roteiro: Paulo Fontenelle, Audemir Leuzinger, Maria Clara Escobar | Elenco: Julia Stockler, Mari Oliveira, Ravel Andrade, Ravi Santos, Jorge Netto, Pally, Vertin Moura.
Distribuição: Imagem Filmes.
O filme Serra das Almas está na 48ª Mostra SP.