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John Wick 4: Baba Yaga (filme)
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John Wick 4: Baba Yaga | Por Sérgio Alpendre

Avaliação:
9/10

9/10

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Crítica | Ficha técnica

Um punho desfere golpes firmes em uma armação de corda, já com restos de sangue da mão desgastada. Eis o início de John Wick 4: Baba Yaga (John Wick: Chapter 4), filme mais caro, mais longo, mais belo, mais atacado e mais defendido da série iniciada em 2014.

Lawrence Fishburne, The King, caminha pelos subterrâneos de Nova York com um cachorro. Ao abrir a porta, confirmamos que o homem do punho forte é John Wick (Keanu Reeves), que se recuperou bem dos ferimentos sofridos no final terceiro longa, quando recebeu tiros de Winston (Ian McShane) e caiu do telhado do Continental. Está pronto para ir à luta. Ele reaparece em Osaka, onde tem um amigo de longa data, Shimazu (Hiroyuki Sanada), gerente do Continental de lá. Depois volta para Nova York, e logo parte novamente para Berlim, e de lá vai a Paris, onde irá enfrentar o grande vilão da vez.

Tudo que se refere a deslocamento ou movimento na série John Wick, e principalmente neste quarto longa, está sujeito a regras próprias do mundo construído no filme. Um mundo de assassinos que trabalham por contrato e encontram refúgio nos hotéis Continental espalhados pelo mundo. Não vemos os grandes deslocamentos dos personagens a não ser em metrôs vazios. O de Osaka chega a esvaziar para que John entre no vagão, acompanhado depois pela filha de Shimazu, Akira (Rina Sawayama). Eles se movem também por carros que são sempre atacados ou rios subterrâneos.

Sim, o personagem caminha, sobretudo em Berlim. E também persegue beduínos a cavalo. No mais, é como se houvesse uma rede subterrânea de metrô encurtando as distâncias e ligando o mundo dos assassinos numa rede extremamente veloz. Tudo para a alegria de nossos amigos verossímeis, como diria Hitchcock. Não descarto a sátira aos filmes de ação e espionagem cheios de deslocamentos. Mas entendo que a ideia de um mundo particular está mais de acordo com o que o filme apresenta, sendo qualquer outra coisa secundária ou dependente desta primeira.

Por sinal, não é só John que se desloca à procura de um meio de sair da crise em que se meteu desde o primeiro longa. Os que estão ao seu encalço também se movimentam com facilidade. Numa cena emblemática, Winston, gerente de um Continental que foi implodido, desce de um metrô vazio, num horário em que as estações já estão fechadas, com o Rei do subterrâneo interpretado por Fishburne. Este último entrega a John, que esperava na estação fechada e deserta, um novo terno à prova de balas. Entrega também uma arma especial com a qual John deve enfrentar os obstáculos até chegar à Sacre Coeur e ao duelo que terá com o grande vilão.

Tudo se resume, então, a saber como John Wick resolverá seus problemas. Nos outros três longas, percebemos que ele é indestrutível, embora não consiga sair da situação em que se meteu. Mesmo caindo do alto de um prédio após ter sido baleado, ele sobrevive. Mesmo sendo atropelado várias vezes, perfurado por inúmeras facas, atingido por mil balas. No universo de John Wick, aliás, para matar alguém é necessário muito mais que uma bala. Sr. Ninguém, personagem de Shamier Anderson, sabe disso. Mesmo assim, usa a bala única como metáfora da bala certa, aquela que finalmente derrotaria John Wick e garantiria ao felizardo vencedor a milionária recompensa.

Existe um trabalho muito bem pensado do diretor Chad Stahelski e dos roteiristas Shay Hatten e Michael Finch por trás dos deslocamentos de John Wick e de seus perseguidores e amigos (por vezes, são a mesma pessoa). Uma estrutura que o leva a viajar pelo mundo e descobrir o caminho certo, o caminho justo, como o caminho de um samurai. O deslocamento no mundo como num tabuleiro construído pela alta cúpula, em que por vezes é necessário voltar algumas casas para avançar depois. Mesmo assim, há quem reclame de roteiro, que falta história e outras coisas que costumam aporrinhar os conteudistas (parentes próximos dos senhores verossímeis).

Sempre foi assim, não vai mudar. Sempre houve quem defendesse a balela do “uma boa história com boas atuações”. E geralmente são essas pessoas que não percebem quando estão diante de uma boa história com boas atuações, como a da série John Wick, a saga de um assassino aposentado que é obrigado a voltar ao jogo porque assassinaram seu cachorro, último presente de sua falecida esposa. A bola de neve que se segue expõe ao espectador um mundo que ele nunca tinha visto no cinema. Um mundo em que os assassinos estão todos entre nós, atirando uns nos outros enquanto estamos apressados em nossas tarefas de grandes cidades ou dançando em clubes noturnos descolados.

Mesmo sem uma boa história, seria possível fazer um grande filme. Mas John Wick 4 tem uma boa história, uma história simples, de vingança, a história de um homem que está louco para sair do jogo, mas cada vez mais se afunda nele. Por isso, paralelos entre a série e a saga de Michael Corleone nos filmes O Poderoso Chefão não são absurdos.

São dois homens tragados pela tragédia. Para John Wick, a perda da esposa, vítima de uma doença grave, e o assassinato do cachorro por mafiosos russos. Para Michael Corleone, a perda do pai, depois do irmão do meio, e depois do irmão mais velho, assassinado por ele mesmo como punição pela traição. Na saga de Coppola, os momentos de ação surgem esporadicamente, mas vemos tiros na cabeça, pescoços degolados e outras mortes violentas, como a de Sonny (James Cann), estraçalhado impiedosamente por rajadas de balas. Na saga de John Wick, temos também momentos de contemplação e reflexão. O personagem é taciturno e fala muito pouco (como gostava Vito Corleone). Como Michael, John Wick também precisa recuperar sua família para seguir em frente e ter uma oportunidade de terminar o jogo.

Já ouço os protestos. Como ouso comparar um filme consagrado como O Poderoso Chefão (The Godfather, 1972) a uma série de ação como John Wick? Por que não? Há elementos cinematográficos muito fortes tanto na trilogia quanto na tetralogia.

Por mais que seja uma exposição ao risco enaltecer desse modo um filme que acabou de sair (sempre bom esperar uns dez anos para ser tão assertivo), é certo que estamos diante de um dos melhores filmes de ação das últimas décadas, do nível (ou quase) de A Outra Face (Face/Off, 1997), de John Woo, e Kill Bill Vol. 1 (2003), de Quentin Tarantino, e ligeiramente superior a Mad Max: A Estrada da Fúria (Mad Max: Fury Road, 2015), de George Miller, último filme de ação a causar tanto estardalhaço antes da série John Wick se estabelecer, a partir do segundo longa, de 2017. Um filme que parece retomar as loucuras do cinema mudo, de Buster Keaton e Harold Lloyd, o pirata negro de Douglas Fairbanks, o Napoleão (Napoléon, 1927), de Abel Gance (a câmera como uma bola de neve).

Na trilogia O Poderoso Chefão, qualquer objeto serve para matar alguém, de um lápis a um par de óculos, embora ninguém descarte uma arma de fogo como primeira opção. Do mesmo modo, John Wick corta a jugular de um inimigo com uma carta de baralho, e quando falta munição em sua arma, ele a atira no inimigo, ou atira o cartucho vazio, até que consiga uma nova arma ou um novo cartucho. Até as derrapagens de um carro ele usa como arma, eventualmente esmagando seus adversários em uma outra lataria qualquer.

Também é justo comparar a força pictórica de algumas sequências de John Wick 4: Baba Yaga aos filmes coloridos de Akira Kurosawa, como o fez, embora jocosamente, um jornalista conhecido (ouço mais protestos). Os Sete Samurais (Shichinin no Samurai, 1954), filmado em preto e branco, por sinal, foi uma das influências assumidas pelo diretor Chad Stahelski.

Mas a referência maior, plasticamente, parece ser o Kurosawa de Kagemusha (1980) e Ran (1985): as externas de Osaka, dominadas pelo vermelho; a sequência de ação no clube de Killa (Scott Adkins), com as paredes cheias de cachoeiras; a caminhada de Winston (Ian McShane) pelo Louvre para encontrar o Marquis (Bill Skarsgard), todo o amanhecer na Sacre Coeur. São momentos de incrível beleza, uma beleza que em momento algum está isolada, como um cartão postal ou um brilhareco exibicionista, mas faz parte desse mundo extraordinário que acompanhamos em quatro longas e que atinge, no quarto deles, o seu ápice. Um mundo em que o maior vilão pode morar no Louvre e uma central telefônica pode se instalar no alto da Torre Eiffel.

No texto que escrevi para a Folha de S.Paulo, falei de algo que me chamou a atenção na primeira visão, em sessão especial para jornalistas. Este quarto longa é o que mais se apresenta como um jogo. E no tabuleiro da alta cúpula o peão que representa John Wick está sempre voltando algumas casas antes de progredir. Repito aqui essa ideia.

O máximo dela está na sequência da escadaria que leva à Sacre Coeur. Na primeira vez, as gargalhadas dos jornalistas presentes se justificavam pelo absurdo de ver o herói caindo todos os degraus e sendo obrigado a subir tudo de novo. Na segunda vez, essa sequência, que comparei, no texto da Folha, com o mito de Sísifo, me pareceu menor. Uma vez que nos acostumemos ao absurdo, ele já não nos impressiona tanto.

Mas fica, na revisão, o ponto forte da sequência, além de toda a coreografia da ação: a ajuda que John recebe do Sr. Ninguém, o homem com o pastor alemão que John Wick havia salvado minutos antes, e de Caine (Donnie Yen), o lutador cego que o acompanha desde o início, grande amigo do passado que agora terá a incumbência de matá-lo. Uma vez que ambos irão duelar, seria interessante para Caine que John Wick ficasse no caminho. Mas a amizade entre eles é mais forte, e ainda reservará uma última e importante demonstração.

Muito se elogiou, com razão, a interpretação de Donnie Yen. Penso que foi valorizada pela construção do personagem, apresentado no início sem poder se aproximar de sua filha (castigo imposto pela cúpula). Na primeira vez em que reencontra Wick, ainda em Osaka, foi poupado pelo antigo amigo, que o tinha na mira. Há um código rígido entre os assassinos, mas o código da amizade é muito mais rígido, e John Wick sempre irá colocá-lo acima do código da cúpula.

Por último, li comparações com o tal do “autorismo vulgar”. Se forem justas tais comparações, são também alheias ao trabalho formal que Chad Stahelski desenvolveu num crescendo em toda a série. Não me lembro um filme sequer do autorismo vulgar, e vi muitos deles, que chegasse aos pés do que é apresentado em John Wick 2, 3 e 4 em matéria de mise-en-scène, o que envolve saber o que fazer com uma câmera, quando movimentá-la, a que distância colocá-la dos atores, quando confiar numa decupagem mais forte, saber preencher o espaço retangular da tela de cinema.

A não ser quando se incorpora diretores como Michael Mann ou John Woo para engrandecer o rótulo, o tal do autorismo vulgar não chega perto do que encontramos em John Wick. A direção de Stahelski é muito superior a de Paul W.S. Anderson no melhor de seus filmes (O Enigma do Horizonte [Event Horizon, 1997], provavelmente), para ficarmos no mais paradigmático, até onde percebo, dos diretores associados ao “autorismo vulgar”.

O que Chad Stahelski propõe ao espectador é uma nova velha maneira de se filmar ação, com um cuidado de mise-en-scène ausente de 99 entre 100 filmes do gênero, e uma nova construção de mundo que brinque com o imaginário de todos nós, sem as amarras do realismo. O sucesso deste quarto longa é um ótimo sinal. Que a lição seja aprendida e seguida por outros.

Texto escrito pelo crítico e professor de cinema Sérgio Alpendre, especialmente para o Leitura Fílmica.

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Ficha técnica:

John Wick 4: Baba Yaga | John Wick: Chapter 4 | 2023 | 171 min | EUA | Direção: Chad Stahelski | Roteiro: Shay Hatten, Michael Finch | Elenco: Keanu Reeves, Laurence Fishburne, George Georgiou, Lance Reddick, Clancy Brown, Ian McShane, Marko Zaror, Bill Skarsgård, Donnie Yen, Aimée Kwan.

Distribuição: Paris Filmes.

Quer ler mais sobre John Wick? Então, confira as críticas do primeiro, segundo e terceiro filmes da sua saga aqui no Leitura Fílmica!

Trailer:
John Wick 4
Onde assistir:
John Wick 4: Baba Yaga (filme)
John Wick 4: Baba Yaga (filme)
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