Duna (filme)
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Duna (2021) | Por Sérgio Alpendre

Avaliação:
6/10

6/10

Crítica | Ficha técnica

Um blockbuster pode ser bom, obviamente. Pode até ter sua porção de arte convivendo lado a lado com a porção entretenimento, ainda que tal separação seja tola e imprecisa. Nos últimos anos, tem sido difícil encontrar um blockbuster que seja, senão bom, ao menos acima da média. A mediocridade é regra, e como tal, o que reza mais alto é a uniformidade dos filmes, algo que faz com que esta nova versão de Duna, a mais nova adaptação do clássico da ficção científica de Frank Herbert (publicado em 1965 e originário de diversas sequências), seja muito semelhante à saga Star Wars, por exemplo, por envolver a luta por um planeta desértico, em que diversos povos lutam pela sobrevivência contra um império do mal representado pela Casa Harkonnen.

Temos um escolhido, nos moldes de um cavaleiro Jedi. Temos até mesmo alguns atores típicos de blockbusters recentes: o Drax de Guardiões da Galáxia (Dave Bautista), o Aquaman (Jason Momoa), a MJ dos últimos longas do Homem-Aranha (Zendaya), atores conhecidos em personagens familiares do grande público, aliados a uma enormidade de atores do cinema autoral como Timothée Chalamet, Oscar Isaac, Charlotte Rampling, Stellan Skarsgard, Javier Bardem e Josh Brolin.

Um blockbuster diferente

Claro que essas semelhanças dizem mais respeito à formulação clássica das tramas, e não vem de hoje. Mas, essa uniformização, que não diz respeito somente à narrativa, não acontecia de modo tão marcante até os anos 1990, quando havia espaço para ficções científicas mais criativas como Tropas Estelares (1997), de Paul Verhoeven ou o primeiro Missão: Impossível (1996), de Brian de Palma. Ela é o resultado da dominação do mercado financeiro sobre o cinema, algo que está em curso desde sempre, mas que atingiu níveis drásticos neste século de neo-liberalismo sem vergonha.

Por outro lado, temos aqui um blockbuster diferente, em que a ação, nos termos em que os espectadores se acostumaram a ver nos últimos anos, só acontece de fato depois de uma hora de projeção. Há tempo para contextualizações e desenvolvimento de personagens, principalmente na relação de aprendizado no manejo dos poderes mentais entre mãe (Rebecca Ferguson) e filho (Chalamet). A cena do avião, aliás, com o controle mental dos dois sobre os inimigos, é provavelmente a melhor do filme.

Com Duna, o diretor canadense Denis Villeneuve completa a transição do cinema autoral ao cinema comercial, iniciada com Blade Runner 2049 (2017), mas já antevista em A Chegada (2016). Talvez essa raiz no cinema autoral explique o viés contemplativo de boa parte da trama, a escuridão de algumas cenas de ação, algumas belas opções visuais e uma trilha, de Hans Zimmer, que parece Dead Can Dance nos anos 1980. Mas é evidente que muito do tom vem do livro de Herbert, considerado infilmável até que David Lynch resolveu se aventurar na adaptação (em 1984), fazendo seu filme até hoje mais combatido, ainda que com algumas qualidades no todo mais espetacular.

Em duas partes

Para esta nova versão, a Warner não queria correr riscos e resolveu dividir o filme em duas partes. A primeira é a que podemos ver neste final de 2021. A segunda deverá estrear em 2023. É uma maneira de evitar o que aconteceu com a versão de Lynch: uma trama cheia de buracos para dar conta, em pouco mais de duas horas de duração, das mais de 400 páginas do livro original. Claro está que quando falamos em adaptação, estamos cientes de que é a transposição de uma linguagem, a da literatura, para outra, a do cinema. Logo, muito se perde e muito se ganha nessa transposição.

Daí que raramente faz sentido comparar livro e filme como se fosse possível dizer que um é melhor que o outro. Podemos dizer que um livro é mais valioso dentro da literatura do que o filme que o adaptou dentro do cinema. Mesmo assim, a comparação jamais seria justa sem observar todos os parâmetros envolvidos de uma arte e de outra. Daí também que não é preciso ter o livro em boa memória para apreciar o filme. Não é necessário nem mesmo tê-lo lido.

Como fica, então, o Duna de Villeneuve na história do cinema? Podemos pensar em algumas alternativas:

a) Um filme direcionado exclusivamente para o deleite de fãs de ficção científica.

b) Um divertimento para grande público.

c) Um filme que tenta aliar reflexão e entretenimento, correndo o risco de não atingir nem o público de um, nem o público de outro.

d) Ou um filme que entende a divisão entre arte e entretenimento como uma balela e procura passar uma noção do que é estar no mundo ao mesmo tempo em que evita entediar o espectador com firulas desnecessárias ou uma profusão de efeitos especiais.

Blockbusters autorais

Esta última seria a opção mais interessante, embora também problemática pela noção variável do que seria entediante para cada espectador. Para uns, seria um filme de Tarkovski, para outros, um filme da Marvel. No cinema comercial de hoje, contudo, pelo tanto de dinheiro envolvido e pessoas com vontade de lucrar, já estaria de bom tamanho se alcançasse essa opção. Apesar de suas qualidades inegáveis, este novo Duna se encaixa melhor na opção ‘c’. Poderia ser um ótimo filme dentro dessa opção. Assim o são diversos blockbusters autorais do cinema americano dos anos 1980 e 90, e até mesmo alguns dos anos 2000. Infelizmente, não é o caso aqui, embora não tenha ficado longe da opção ‘d’.

Texto escrito pelo crítico e professor de cinema Sérgio Alpendre, especialmente para o Leitura Fílmica.

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Ficha técnica:

Duna | Dune | 2021 | EUA, Canadá | 155 min | Direção: Denis Villeneuve | Roteiro: Jon Spaihts, Denis Villeneuve, Eric Roth | Elenco: Timothée Chalamet, Rebecca Ferguson, Oscar Isaac, Jason Momoa, Stellan Skarsgård, Stephen McKinley Henderson, Josh Brolin, Javier Bardem, Sharon Duncan-Brewster, Chen Chang, Dave Bautista, David Dastmalchian, Zendaya, Charlotte Rampling.

Distribuição: Warner.

Veja mais fotos do filme no nosso Instagram.

Quer conhecer o cinema autoral de Denis Villeneuve? Então, leia a crítica de Redemoinho (Maelstrom, 2000).

Trailer:
Onde assistir "Duna" (2021):
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